Olá mais uma vez... Pelo visto Hugo esqueceu de checar seus bolsos há um bom tempo, não? Agora ele está lá do lado de fora do hotel imaginando, assim como nós, que tipo de lugar é aquele. Mas, eu confesso que estou mais interessado em saber o que eles vão servir no jantar...
NON PARADISUS - PARTE 2
Amassa com uma das mãos e atira longe
os cigarros.
Caem perto de um poste luminoso que,
para ele, não estava lá antes. No topo em letras garrafais feitas em neon
vermelho está escrito, “NON PARADISUS’ HOTEL” um pouco mais abaixo, na mesma montagem,
“HÁ VAGAS!” em azul.
“33B. Bem, vamos achar logo esse
quarto. Pelo menos eu sei agora qual o nome daqui. Como não tinha visto aquilo
antes?” Se pergunta ainda confuso, com aquele gosto na boca que começava a
sair.
Hugo segue direto até seu quarto.
Um quarto de hotel simples e com iluminação aconchegante. Duas camas de
solteiro encostadas na parede à direita da porta, um abajur sobre o criado-mudo
entre as duas.
Há uma televisão em frente às
camas e, ao lado, o banheiro tão simples quanto o quarto. Pia de porcelana
branca, chuveiro, privada, paredes brancas e nada a mais.
Cansado de tanto pensar o porquê
faria uma reserva em um hotel esquecido em uma estrada esquecida, quantos anos
tinha, o que fazia antes de tudo aquilo. Ele se senta na cama próximo ao abajur
e pega um folheto do hotel que está por cima do móvel. Dizia:
“BEM VINDO AO
NON PARADISUS’ HOTEL”
Aqui, cada
hóspede tem um atendimento exclusivo e especial. Com um serviço de quarto único
para cada um.
EXPERIMENTE O
NOSSO BUFFET NA HORA DO JANTAR!!
Servimos de
forma especial as nossas maravilhosas e deliciosas iguarias para todos os
gostos e escolhas! Venha experimentar!
Horário das
21:00* às 23:00
DESEJO-LHES
BOAS VINDAS,
Ass: O
gerente
*Não
realizamos serviço de quarto após esse horário
Nota um rádio relógio do lado do
abajur. Os números digitais em vermelho mostram 21:45 p.m.
– Sou obrigado a ir de qualquer
jeito. Maravilha! – sussurrou ironicamente pra si mesmo. Afinal, está faminto.
“Eu preciso lembrar! Eu
preciso...”.
Não foi difícil de encontrar o
salão. Fica bem atrás dos quartos de hotel, era grande, nada muito enorme, mas
o suficiente para abrigar todos os hóspedes. Sem muitas mesas espelhadas pelo
local. Só uma comprida bem no centro. A maioria ou todos os passageiros já
estão lá.
Na mesa, uma enorme variedade de
comida ao longo dela, cozidos, frituras, pães, saladas, doces. Tudo parece
apetitoso e chamativo. Algo um tanto estranho para um hotel de quinta, Hugo
imagina.
Alguns ainda comiam, outros
começaram a separar seus pratos naquele instante.
Hugo senta-se do lado da ponta
mais distante da entrada. Enquanto separa a comida no prato, ele olha mais uma
vez ao redor e vê um homem velho e extremamente gordo sentado à sua frente com
aquela mesma expressão apática de olhos vazios, devorando a comida como um
animal faminto e sem modos. Os restos de frango
escorrem pelo canto da boca,
junto com a gordura e o molho de macarrão respingando em sua roupa manchada!
Aqueles olhos. A imagem junto com aquele olhar sem vida faz parecer que o obeso
devora por uma obrigação. Um vício!
Hugo pensa em se levantar de lá.
Olha ao redor mais uma vez. Tudo ocupado. Só restou continuar separando a
comida no prato, “Meu Deus, parece que a comida fez algo pessoal pra ele!”.
Pensa enquanto pega um bife bem passado e salada.
Muito cordial, um sujeito com
grandes entradas no cabelo e gel, vestido com um uniforme preto do hotel,
diferente dos outros funcionários, com certa elegância até, se aproxima até a
ponta da mesa mais perto de Hugo, espera com todos os hóspedes olhem para ele e,
sem se importar muito com o homem gordo se apresenta:
– Boa noite a todos! Eu sou o
gerente do Non Paradisus e, podem ter certeza que cuidarei pessoalmente de que
vossas hospedagens sejam inesquecíveis! – diz o gerente de pé com um largo,
branco e caloroso sorriso – Eu posso garantir que o Buffet é o melhor da
região. Sei que para alguns é a primeira vez que veem um lugar servir assim,
mas, por favor, não se acanhem! Façam como o nosso amigo ao lado – estende a
mão em direção ao velho gordo que continuava comendo ferozmente de olhos
vazios.
Nenhuma risada. Nenhuma atitude.
Somente os olhos sem expressão virados para o gerente, menos o do gordão. Logo
o discurso foi interrompido por um outro homem que também não o encarava.
– É! É a nossa 53ª primeira vez –
fala em alto e bom tom o hóspede ao fundo, olhando reto para a mesa e apertando
firmemente a mão da sua mulher.
A atenção de Hugo se volta para o
casal, ambos olhando fixos para a mesa, sem tentar nenhum contato visual.
Em seguida, um silêncio
desconfortante toma o lugar. O gerente fixa um olhar sério, punidor diretamente
no casal. Os olhares se encontram. O novo hóspede repara que os olhos do casal
não estão mais vazios e sem vida, e sim cheios de medo e pavor! Um medo
traumático, como se tivessem desobedecido a um pai bêbado e iriam tomar umas
cintadas. Com certeza é algo pior, Hugo imagina, pois o casal se levanta e sai
da mesa com os olhos vazios outra vez de um jeito sistemático. Frio.
“Tem alguma coisa errada aqui!”.
Hugo queria sair dali na mesma hora, mas ficou receoso de que o mesmo
acontecesse com ele. E além do mais, era só um jantar com pessoas estranhas.
“Em uma estrada, quem não é estranho? Se controle. Tente lembrar...”. Mas ainda
havia uma pulguinha dizendo que Hugo deveria sair dali, que lá não encontrará
resposta nenhuma. “Só essa noite... Amanhã de manhã eu me mando pra primeira
cidade e tento a sorte por lá.”
Com aquela estranha sensação
percorrendo aos poucos e aumentando a frequência cada vez mais, ele atenta-se
ao redor. Continuam olhando para o anfitrião, o único que tem expressões
cordiais e brilhantes e, prossegue a conversa como se nada tivesse acontecido.
– Bom. O que mais eu posso dizer
é: Desejo-lhes boas vindas e que suas estadias aqui no Non Paradisus sejam únicas!
Sirvam-se desse banquete. Aposto que muitos aqui devem ter vindo de muito longe
e estão famintos. Aproveitem! – diz sentando-se e começando a se servir também.
“É! É a nossa 53ª primeira vez!”
Aquilo ecoa mais e mais na cabeça
de Hugo.
Lembra-se que está morrendo de
fome, tão repentino quanto à vontade de fumar anterior.
Enquanto comia, Hugo pensa em
como tudo aquilo era estranho. “É! É a nossa 53ª primeira vez!”. Mais um eco.
Os hóspedes não emitirem sentimento nenhum. O gerente se sentar ali com os hóspedes
e ser o único a ter expressões humanas. Pensa também no fato de que não é capaz
de encarar o gerente por muito tempo, por mais simpático que ele fosse. Alguma
coisa lhe causava repulsa naquele sorriso. E as ondas estouraram com mais força
em sua cabeça.
“EU TENHO QUE SAIR DAQUI!”.
Um novo eco na cabeça.
“Tem que ser essa noite. Tem que
ser!”
Terminado o jantar, Hugo se
levanta e pede licença. O gerente muito educado e receptivo faz um sinal com a
cabeça somente.
Mesmo com o desespero começando a
tomar conta de si, ele volta ao seu quarto. Afinal ele precisa pensar um pouco.
“Preciso sair daqui! Mas por
Deus! Como? Nem sei onde estou! As únicas pistas que eu tenho é uma estrada
reta e vazia no meio do nada com um hotel chamado Non Paradisus que, sei lá o
porquê eu fiz uma reserva! Já passam das 22:00. Está uma escuridão lá fora. Pra
onde eu iria? Nem sei onde fica a cidade mais próxima. Mas qualquer lugar é
melhor do que esse. Tem alguma coisa errada com aquele gerente e os hóspedes ‘É
a nossa 53ª primeira vez!’ disse o homem com a esposa... O que isso realmente
quer dizer?! Por que não consigo me lembrar de nada? Onde eu estou?”
Sentado na beirada da cama, com
as mãos sobre a cabeça bagunçando o cabelo, ele tem a ideia de falar com o
casal. Mas em que quarto poderiam estar? Não sabia.
– O livro de entrada! – Sussurra eufórico.
Fim da parte 2 de 4